Histórias de persistência e desafios que se repetem no campo e na cidade

ESCRITO POR POR DENISE BUENO, DE PASSOS; IZABELLA MACHADO, DE ARAÇUAÍ; JANAINA ROCHIDO, DE BELO HORIZONTE; JOSIANE MOREIRA, DE SETE LAGOAS 08/03/2023 .
Trinta milhões de hectares da produção rural brasileira estão sob o comando de mulheres, segundo dados de um estudo do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) em conjunto com a Embrapa e Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em Minas Gerais, 2.464 das mais de 20 mil propriedades atendidas pelo Programa de Assistência Técnica e Gerencial (ATeG) do Sistema Faemg Senar têm mulheres à frente da fazenda.

Com um olhar único para a gestão de pessoas e para a importância da participação familiar nos negócios, elas investem em conhecimento, qualidade, sustentabilidade, modernização das operações e empreendedorismo para se destacar em um setor ainda muito marcado pelo masculino. Em outro levantamento, feito pelo Sebrae, já são cerca de 1 milhão de mulheres comandando propriedades do agronegócio no Brasil. Uma delas é Gilvânia Teixeira Veiga, presidente do Sindicato de Produtores Rurais de Córrego Dantas.

Gilvânia Veiga
Apaixonada pela terra, desde que nasceu Gilvânia sempre esteve conectada com o campo. Na fazenda com o pai, atuando com o marido na cafeicultura, por 29 anos, ou com gado de leite e de corte, desde 2019, ela já lecionou para crianças, viajou o mundo como missionária e se capacitou sobre o agro dentro e fora do Brasil. O desejo de ser presidente do Sindicato veio para mudar a visão das pessoas sobre a entidade.

“Decidi me candidatar para chamar a atenção dos produtores, que não viam motivos para fazer parte da entidade. Hoje oferecemos consultorias, fazemos eventos para trocar ideias e discutir as demandas e tento agregar valor com o que aprendo e com o que os outros produtores me ensinam”, conta. Para ela, o poder da mulher está em ser mais paciente e enxergar oportunidades de recomeçar. “Sempre acreditei que o Sindicato iria melhorar, e hoje vejo uma federação melhor, um Senar mais atuante e programas fantásticos”.

Dedicação e coragem

Mesmo sendo da 5ª geração de produtoras da família, a queijeira Cristiane Brandão é a primeira mulher a tomar a frente dos negócios, em Santo Antônio do Itambé. Mesmo tendo nascido no campo, deixou a fazenda por desejo do pai, que queria que ela estudasse. “O coração nunca saiu do campo. Logo que meu pai faleceu, tomei a decisão mais importante da minha vida: voltar às origens”. Empoderada e certa do que queria, Cristiane “arregaçou as mangas” e junto da filha, Jady Brandão, começou a trabalhar na rotina da propriedade para entender como tudo funcionava.

Cristiane Brandão, produtora de queijos
O início da trajetória não foi fácil, mas ela se orgulha do conhecimento que buscou nos treinamentos e programas do Sistema Faemg Senar. De lá para cá, muitas portas se abriram e o destino reservou conquistas importantes para o Queijo Maria Nunes, como os títulos de bicampeã mundial no Tours França e duas Medalhas de Prata no Mundial do Queijo do Brasil. “Exercemos um papel extremamente importante no campo, seja por nosso modo diferente de gerir, pensar, construir ou produzir, mas o desafio contra o preconceito é diário. Precisamos falar sobre o assunto para transformar essa realidade. Por isso, a importância de nos sentirmos representadas e conquistarmos nosso espaço, cada dia mais, servindo de exemplo para tantas outras que queiram ocupar funções no meio rural”.

“Estar no agro pode ser um exemplo para as outras gerações. Antigamente, havia aquele pensamento de que a terra não nos dava condições satisfatórias e dignas para trabalhar. Hoje, podemos morar no campo com conforto e qualidade de vida, principalmente a partir do momento em que aprendemos a transformar a terra em fonte de renda”, garante Esther Castro, produtora de hortaliças atendida pelo Programa de Assistência Técnica e Gerencial – ATeG Olericultura em Turmalina.

Esther Castro, olericultora de Turmalina

Para ela, que abandonou a cidade para apostar em uma vida no campo, ser mulher, tanto no meio rural quanto em qualquer outro lugar, exige muita dedicação, esforço e horas de trabalho. No entanto, no campo a recompensa parece ser muito maior, já que “você passa a ter contato com a terra, com as plantas, com a água que vem do ribeirão…”, pondera.

“Amora das meninas”

No Sítio Conceição, em Machado, as irmãs Leda Mara Begali Mezavila Corsini e Lídia Begali Araújo Mezavila trabalham na cultura de amora, framboesa e mirtilo. Elas sempre trabalharam com a agricultura familiar e, antes das frutas vermelhas, cultivaram hortaliças, que, apesar da boa produtividade, não ofertou o retorno financeiro esperado. 

Quando conheceram o projeto Frutas Vermelhas, implantado pela prefeitura de Machado e que tem o apoio do Sindicato dos Produtores Rurais, tudo mudou. Começaram com o plantio de amora, depois framboesa e, mais recentemente, o mirtilo. Nos últimos dois anos integraram o programa de Assistência Técnica e Gerencial (ATeG) Frutas Vermelhas, conduzido pelo técnico Fernando Oliveira, e contabilizam bons resultados.

Leda Corsini se sente realizada por trabalhar com as irmãs
 

Apesar da área de plantio ser pequena, apenas 4 mil metros, os resultados conquistaram as irmãs, que seguem investindo. A atividade tem o apoio do pai e do marido de Leda, que ajudam nas atividades mais pesadas. Mas, no dia a dia e na colheita, o trabalho fica por conta das mulheres, pois as frutas são delicadas e a mão de obra feminina é mais indicada para a colheita, na análise de Leda, que se sente realizada por trabalhar com as irmãs. “A atividade traz uma satisfação pessoal, ainda mais com as frutas, que requer cuidado, delicadeza e perseverança”.

Olhar para o valor do campo

Desde 2014 atuando como agente de desenvolvimento rural no Sindicato dos Produtores Rurais de Curvelo, a professora e assistente social Janaina Rodrigues da Fonseca é neta de lavradores e conhece de perto a realidade do campo desde 1999, tendo inclusive contribuído para várias melhorias no trabalho de mobilização com ideias para treinamentos e programas no Sistema Faemg Senar.

Janaina Fonseca, ADR em Curvelo

Para Janaina, o olhar feminino deve perceber a necessidade de valorização do meio rural e pode intervir em desafios como o esvaziamento populacional causado pela migração de pessoas do campo para a cidade. “São muitos os desafios da vida no campo. Não é fácil. Os fatores climáticos, o mercado, as demandas da produção, interferência de governos, insegurança, ou seja, são riscos sobre os quais nosso olhar feminino e acolhedor pode sensibilizar a sociedade e buscar alternativas justas para valorizar o meio rural”, analisa.

Cotidiano de desafios

Mesmo no meio urbano, os desafios enfrentados pelas mulheres que atuam no campo persistem. Analista de Agronegócio na Gerência Executiva Técnica do Sistema Faemg Senar, a médica veterinária especialista em Defesa Sanitária e Inspeção de Produtos de Origem Animal Mariana Simões Mendes acredita que o maior entrave que já enfrentou até hoje foi conquistar respeito – em todos os sentidos. “Estive em diversas situações em que tentaram me diminuir pelo simples fato de ser mulher, principalmente por colegas de campo”, lamenta.

A médica veterinária e analista Mariana Simões

Mariana é firme no sentido de que é preciso entender que a discriminação ainda existe e não deixar que isso tire a força de vontade de prosseguir. “Temos que ter paciência e persistência para lidar com caso a caso e entender que não somos menores por isso. O segundo passo é sempre buscar conhecimento, esta é nossa principal arma e que ninguém consegue tirar. Bom, pelo menos é o caminho que tenho tentado”, aconselha.

Para a administradora pós-graduada em Gestão de Pessoas Sinaria Sousa, as mulheres se tornam gradativamente resilientes. Ela comenta que não é raro ouvir depoimentos de mulheres que sentiram precisar provar que conseguem ocupar cargos de gestão ainda jovens, ou então que conseguem trabalhar e ser mãe ao mesmo tempo. “Isso nos torna mais fortes e aptas a lidar com os desafios cotidianos da gestão”, pontua.

Sinaria Sousa, gerente de RH

Sinaria, que tem de 10 anos de experiência em cargos de gestão e hoje é gerente de Recursos Humanos do Sistema Faemg Senar, acrescenta que a facilidade das mulheres para conciliar diversas atividades é algo muito requerido pelas empresas atualmente. Para a gerente, talento é o que não falta: “acredito que naturalmente temos mais habilidade para ouvir, interpretar ambientes e praticar a empatia, capacidades necessárias para lidar com pessoas de todas as empresas – inclusive no agro que cresce a cada dia e possui grande representatividade na nossa economia”, conclui.

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